quinta-feira, 11 de março de 2010

A Esfinge Sem Segredo

A um tempo minha vida passava a ser igual. Uma casa inteiramente grande, um charuto, espumas na banheira e escuro de um quarto. Nada mais uma moça como eu poderia querer. Uma casa somente para mim. Ela era grande demais, e eu pequena demais, talvez. Talvez é uma palavra que cabe muito no meu dicionário. É, talvez seja. As pessoas perguntavam para mim se eu tinha um nome; dependendo para quem, eu tinha. Qual poderia ser meu nome agora? Suzana. Não, é um nome muito ridículo. Talita. Muito meigo. Esandra. Ultrapassado. Eu acho que não tenho um nome definido; depende do momento. Moro só, faz 5 anos, nessa casa enorme. Ela é muito enorme, pode acreditar. O que eu faria com um cachorro aqui? Seria minha única companhia, fora o Mordomo. Chamo ele assim. Aliás, ele é um mordomo. Esse é o nome dele, para mim. Sempre gostei de casas grandes. Sofás que cobrissem a parede inteira, chaminé para ocupar o lugar do frio, camas e lençóis para amaciar a pele, ar condicionado, luz de velas, cozinhas. Etc. De nada adiantava algo desse tamanho, se não teria alguém para ocupá-lo. Mordomo começou a morar aqui um pouco antes da minha Alucinação. Foi uma companhia indiferente pra mim. Ainda acho que ele é mudo de vez em quando. Se ele o é, eu sou uma sofredora nata. E nada mais poderia dizer sobre isso. Sofás, camas, paredes, banheiras, travesseiros, toalhas... Para quem? Para mim? Com quem ei de compartilhar todas essas materialidades? Pois sei de uma coisa: de físico tudo tenho, mas de abstracto nada possuo. Como assim? Peculiaridades. Tenho vários objetos materiais, mas não possuo uma pessoa. Não possuo uma companhia. Alguém para sentir algo, ou que seja algo perto disso. Não procuro garotos de programa, eles me dão nojo. Mas na hora, é bom. Porém, não adianta. O meu desejo é permanentemente fervoroso. Nem um Hades apagaria. Moro só. Sou só. Me deixaram. Me chutaram. Me inibem. Sou invisível. Então comecei a ver todas as coisas assim também: nada existe. Fora a minha casa imensa e inútil, e o Mordomo que faz todos os deveres da casa. Mas não faz os meus. Acho que ninguém pode fazê-lo. Ninguém. Ai de mim! Ai de mim, mera humana, mera mulher ter alguém para abraçar todo dia. E amar. Ai de mim, Zeus! Ai de mim, ó deuses! Afinal, não sou uma pessoa religiosa. Nesse estágio acho que ninguém o É. Mas gosto de citar esses nomes, vai que um dia um deles me escutam? E não vêm aqui na Terra ter um filho comigo, como fez um deles? Ou vários, não sei... Me deixaram de lado, e agora estou aqui. Vivendo de futilidade. Minha casa é grande e não tem ninguém para ocupar o seu espaço. Não tem ninguém para tocar essas paredes. E para tocar a mim. As horas passam, e eu fico deitada em minha cama. Esperando alguma coisa acontecer, talvez. Sei que o sol não vai nascer azul. Nem as árvores nascerem com folhas vermelhas. Ei! Ei! Pera aí. As Folhas são vermelhas sim! Existem folhas vermelhas! Quer dizer que alguém pode me tirar daqui? Alguém pode? Por favor, alguém me tire desse buraco! Eu imploro! Quero ver as folhas vermelhas lá fora! Quero ver o sol azul! Eu sei que ele existe, pois quando eu vivia bem, eu olhava muito pra ele, e eu o via azul! Existe então uma possibilidade de alguém vir me buscar... Mas quem será este, "Escalador Encantado de Escadas¹" de Adalgisa? Quem irá me salvar? Tenho tudo de material, mas nada dentro de mim. Nada de sentimento por alguém. Por que dependo tanto das pessoas lá fora? Porque ninguém bate a campainha aqui e se autoconvida para entrar na minha vida? Porque a minha vida é tão sem graça? ...
- Madame, posso entrar?
- O que foi agora?
- Eu queria entrar aí com a Sra.
O que será que o Mordomo quer agora? Estou aqui, em meus delírios, em meus sofrimentos, e ele veio fazer o quê? Veio me trazer a felicidade, talvez? Coitado. Ele é um mero mordomo.
- Abra a porta, então.
[Mordomo abre a porta e entra no quarto da Sra. M.O.]
Quieto, ele se aproximou, e sentou do lado da cama que eu estava deitada. Começou a me olhar profundamente. Mas eu não via nada naqueles olhos. Via uma vida rotineira, uma vida em que tudo é igual, e que não há nada de surpreendente. Nesse ponto de vista, tínhamos algo em comum. De repente, ele acena para mim. Começa a acenar e a sorrir; ele trabalha aqui há anos, há uns 8 ou 10 anos em casa. E nunca conversei com ele. E ele nunca entrou no meu quarto enquanto eu estava. Talvez ele teria que dizer algo: acho que alguma notícia na TV que o afetasse muito, já que ele não tinha com quem conversar. Ou então dizer que ouviu alguma coisa de noite, ou que sumiu alguma coisa aqui de casa, ou que ele queria usar a banheira, ou que queria dizer que a vizinha se suicidou...
Ele nada diz. Apenas sorri e acena como se tivesse me vendo pela primeira vez. O que era aquilo? O que ele queria dizer? De repente ele acena para a janela do quarto: aponta para a luz forte que está vindo de fora. O que era? Por que luz? Ela está aí todo dia, e toda noite. O que teria demais nisso? Eu não compreendia Orlando. Ele apenas indicava aquela luz como se fosse algo sobrenatural.
- Está vendo aquela luz, minha Sra. Madalena Ofalon?
- Não há como não ver, Mordomo, já que essa maldita luz me deixa quase cega.
- Não a trate assim, ela veio te ver.
- Me ver? Ela vem todo dia então. Vem oscilar meus olhos para outro lado; ela me perturba.
- Perturba porque te quer. Acha mesmo que ela vem todos os dias à toa? Veio te buscar. Veio te proporcionar o que há minutos você pedia e implorava.
- Do que está falando? Uma luz vir me buscar? Ela nem se quer é um humano para fazer isto;ela é apenas uma energia, um raio que atingiu minha janela graças ao Sol quentíssimo desta tarde.
-Você não está fazendo juz ao teu nome.
-Luz vir buscar, juz ao meu nome... Tenho um mero nome, que não vale nada pra mim. Essa luz não é nada de comovente na minha vida. Saia, Mordomo, e me deixe aqui meditando o mal que sofri.
- Sim, ela veio te buscar. E vai te buscar... e te prender para que você nunca esqueça... agora.
Orlando me beijou. Mas que atrevido! Nenhum homem o faria a 5 anos atrás, depois que Bóris havia me deixado. Parece que aquela luz era um tipo de eclipse; onde Orlando espera o momento certo para acontecer, e usufruir. Por tantos anos, nesses mais ou menos 10 anos, ele nunca atrevera em chegar perto de mim, nem de entrar em meu quarto, nem nada de nada. Porque o faria agora? Será que gostava de mim antes de Bóris ter terminado comigo? Será que ele ficou quieto esse tempo todo? Eu nem ligaria, TALVEZ, se eu soubesse que ele me amava. Porque iria de me beijar agora, depois de tanto esse tempo? Ele queria me deixar feliz? Ou queria que eu calasse minha boca, porque não aguentava mais eu gritar e chorar por detrás da porta de meu quarto, que eu trancava sempre em meus lamentos? O que ele queria de mim? Eu não sei. Mas tinha sido uma noite maravilhosa. Orlando, Orlando, o Mordomo... ele me amava. Parecia, pelo menos. Do jeito que me beijava, me tocava. E eu? Porque não rejeitei tal ato? Ora... eu deveria fazer juz ao meu nome. Como ele fizera do seu.

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